Arte, Ciência, Natureza e Consciência
As sementes estão para a Terra assim como as crianças estão para a Vida.
As sementes são portadoras da Vida, e parafraseando o médico Gonzalez, autor do livro 'Lugar de médico é na cozinha', “nenhum elemento vivo do planeta guarda tanta sabedoria e memória como essas pequenas pepitas de Vida”. Ao nos aproximarmos dos processos de germinação, prática milenar, a simbologia de que as crianças são as sementes que germinarão a Terra fica ainda mais latente.
E Gonzales continua: “Assim são as sementes. Nutridoras, reprodutivas, multiplicadoras, amorosas, mantenedoras e curadoras. Têm o poder de regeneração, o poder de caminhar sobre a Terra e transformar-se em brotos, seus brotos transformarem-se em verdes hastes ou em alimentos para uma nova era”.
Sendo a semente o símbolo de um elemento sagrado e produtor de vida, não é somente um alimento, também está presente em muitos rituais nas diferentes fases da vida. Existem culturas que além de plantá-las dão boas vindas à vida nova e também banham seus meninos em sementes quando se tornam homens. Os sacerdotes e faraós egípcios eram colocados em sarcófagos acompanhados por sementes, para que fossem transportados, por elas, ao mundo espiritual.
Reconectar-se com a origem dos alimentos é urgente, pois podemos ter à nossa disposição um portal com a Natureza, celebrando a Vida. Cultivar estas experiências com os elementos da Natureza no dia a dia com as crianças nos faz acreditar que por meio da Terra, Água, Fogo e Ar certamente iremos colher Vida e irradiá-la para o Universo, testemunhando rituais que podem ser descritos neste singelo e profundo poema de Mia Couto: “Quando a Terra se converte num altar, a vida se transforma numa reza”.
No mundo, estima-se que 30.000 espécies vegetais possuem partes comestíveis. Mesmo assim, 90% do alimento mundial atualmente vem de apenas 20 espécies, as mesmas descobertas por nossos antepassados do Neolítico, em diversas regiões onde a agricultura teve início (em torno de 9500 anos atrás) e que foram incorporadas por quase todas as culturas existentes.
Por ser um país grande e tropical, o Brasil tem uma biodiversidade imensa, estimando-se em torno de 10.000 espécies nativas com potencial uso alimentício. Bela Gil, em seu livro “Bela cozinha: ingredientes do Brasil”, nos incentiva a nos aproximarmos de alimentos nativos, inclusive as PANCs (plantas alimentícias não convencionais), com alto valor nutritivo mas pouco conhecidas por nós.
É isto que temos presenciado nas manhãs de quartas-feiras na Casa Redonda: uma educação da sensibilidade permeada por processos de intimidade com a Natureza, onde o belo, o sagrado, a vida, a diversidade, os ciclos e a solidariedade que contemplamos na Natureza cria uma nova consciência, e certamente uma crença de que a nossa saúde está em nossas mãos.
Com o surgimento do fogo, a cozinha foi o primeiro laboratório do homem, e a comensalidade marca sua importância. A família pode ter sido a primeira comunidade que se estabeleceu em torno do alimento. Para o sociólogo e antropólogo francês Mauss, a melhor etimologia da palavra família é aquela que a aproxima do sânscrito dhaman, que tem sentido de casa. Além da possível origem indo-europeia, a palavra casa se refere ao lar. Lar deriva do latim lare, que significa a parte da cozinha onde se acende o fogo. Ou seja, a culinária, terreno fértil para o preparo de alimentos.
E continua: “a capacidade de repartir, "de esperar sua vez", é função de um sentimento progressivo de reciprocidade que, por si mesmo, resulta de uma experiência vívida do fato coletivo e de um mecanismo mais profundo de identificação com o outro”.
Ainda sobre a compartilha do alimento, encontramos também um interessante significado na origem da palavra companheiro, do latim "cum panis"; que quer dizer “aquele com quem dividimos o pão”. Carregado de simbologia, o pão foi o primeiro alimento elaborado pelo homem, sendo o seu preparo uma imagem arquetípica da atividade humana na Terra.
“Quando as panelas da cozinha forem tão sagradas quanto os vasos dos altares, o divino estará na Terra, e em cada gesto do cotidiano” Santa Teresa
Se (re) conectar com a Natureza e preparar seu alimento é urgente, mas também um privilégio, desencadeia gestos, ritualiza o cotidiano, retoma a microvida da terra; acompanhando os ciclos, respeitando os ritmos, testemunhando a Vida, onde defronte a beleza incontestável nas diferentes formas da Natureza, nos encantamos. E entender a beleza da Natureza como aquilo que agrada sem que precisemos pensar por que agrada, é o que ressaltava o filósofo alemão Kant.
E uma coisa fica eternamente incorporada: Quando cuidamos da Natureza, Ela cuida de nós.
E assim seguimos, apostando na construção de um novo paladar, uma forma saudável de se alimentar, nutrindo o corpo físico e o corpo sutil, onde a delicadeza dos gestos a todos surpreende e encanta.
Colher e abrir o coração da bananeira, rechear flores de ipê, germinar sementes, experimentar leite da terra, entre tantas outras experiências, curiosidades e resistências tudo se faz novo, e a abertura para Vida se faz cada vez mais presente.
E, acreditando na nutrição deste afeto, o que desejamos a estes pequenos é o que nosso peito carrega, ganhando colo no poema de Fernando Pessoa: “Segue teu destino, rega as tuas plantas, ama as tuas rosas. O resto é sombra de árvores alheias”.
Por uma educação sensível e integrada, com a Arte a serviço da Vida e a saúde em nossas mãos. É na Primeira Infância que devemos semear, pois se alimentar é um ato político, revolucionário e urgente!
“Cada refeição que preparamos é uma revolução e uma afirmação de nossa história”. Michael Pollan
Texto: Daniela Mattos