“Eles não sabem que o sonho.
É uma constante da vida!
E toda vez que o homem sonha
O mundo pula e avança,
Como bolas coloridas, nas mãos de uma criança.”
Música “Pedra Filosofal” de Manoel Freire
Rabindranah Tagore, o extraordinário pensador e educador Indiano, foi um dos inspiradores de nossa experiência na Casa Redonda. Dizia ele: “busquem a liberdade, nas profundezas do universo, e reverenciem a divindade inerente ao fogo, à água, às árvores, a tudo que se move, cresce e respira. A fundação da minha escola tem sua origem na lembrança daquele anseio de Liberdade”.
Mas o que é liberdade?
A liberdade, dizia ele, encontra-se na harmonia de relacionamentos que realizamos nesse mundo, não através de nossas respostas a ele no Saber, mas no Ser. O objetivo de sua escola não era a busca do conhecimento, mas a busca da sabedoria que surge quando as crianças experimentam a natureza. Por isso ele insistia em dar aulas sob as árvores.
Para ele quando uma criança se encontra em seu ambiente natural, entre flores e pássaros cantores, pode mais facilmente expressar a oculta riqueza de seus talentos naturais e individuais. A verdadeira educação não vem de fatores externos inculcados como bombas de pressão no educando, na verdade, ela deve ajudar a trazer à superfície a infinita reserva de sua sabedoria interna.
Estamos assistindo, quer queiramos ou não, sinais de uma mudança de paradigma, um mundo em transição que nos envolvendo, exige tempo para conversarmos, tempo para pensarmos e, principalmente, tempo para contemplarmos seja um pequeno raio de sol sobre uma flor, o canto de um pássaro, o olhar sobre uma criança brincando que nos encanta e nos retira por alguns instantes do ritmo acelerado vivido no nosso cotidiano.
A queixa da aceleração do tempo é uma canção comum entoada por todos os seguimentos que compõem a civilização em franca progressão para uma era tecnológica sob a qual estamos todos expostos em seu afã incomensurável de criar novidades a todo o momento, exigindo Ocupações e Preocupações – contatos extra-ordinários – que consomem quase todas nossas reservas de energia.
A cada um de nós, cabe nesse momento da história de nossas vidas nesse planeta, nos voltarmos para as indagações que surgiam espontaneamente dentro de nós quando éramos crianças, num mundo que se traduzia no encantamento do momento presente e que nos suscitava um contato legítimo porque vivo plenamente vivido, avançando livremente para uma compreensão de si, do outro e do mundo ao seu redor.
No ritmo acelerado em que a maioria de nós adultos nos encontramos hoje, o presente se esvai, o mundo se desencanta, os sonhos se desvanecem e a alegria brinca de esconde-esconde!
Ora, de quem virá às lições para reencantar esse mundo fragmentado, resistindo a todas as situações que impedem uma ação de plenitude no aqui e agora de nossas vidas?
Quem senão a criança que na Festa Popular do Culto do Espírito Santo em Portugal, que no século XIII, ainda hoje reapresentada em algumas regiões do Brasil como a Festa do Divino, coroa-se um menino como Imperador de um reino no qual a liberdade, a criatividade e a imaginação conduzirão o mundo para um avanço tal onde as questões materiais uma vez estabelecidas para toda a Humanidade possa o Homem vir a ser um poeta à solta, cumprindo-se dessa forma o seu destino em plenitude.
Utopia, porque não?
Encontramos com frequência uma reação ao uso desta palavra, por certo, pelo desconhecimento de algo ancestral que ela traz em si, pelo fato de ser companheira do homem, porque o que distingue o homem dos outros animas é o fato de que ele é portador de Utopia. Sem ela não vale a pena viver e sem ela tão pouco é possível pensar, porque o pensamento não é produzido a partir do que houve nem do que há, assim dizia Milton Santos, o grande geógrafo brasileiro.
Estamos no mundo para sonharmos e avançarmos em ideias que nos reencantem, nos assombrem, nos surpreendam, nos tragam o inesperado como fonte de vida, de aventura e ventura, impelindo nossas ações para coparticiparmos da criação de uma humanidade mais fraterna, mais solidária, mais justa, onde o conhecimento seja proveniente de um ato inteligente de amor à Vida.
Cheguemos a esse mundo simbólico, misterioso e imprevisível como chegam as crianças! Fiquemos conectados com o nosso corpo, com nossas intuições e emoções, sem medo de Olhar e observarmos com atenção o que está a nossa volta. E esse olhar não tem como fundamento somente uma teoria vinda de fora. É um olhar de coragem, de crédito em nossas próprias percepções, sentimentos, pensamentos e intuições.
A Infância desvela a nossa própria condição Humana, subvertendo a aparente ordem natural das coisas. A historia humana existe porque o homem tem sua infância e imbuir-se desse olhar infantil que vira as coisas pelo avesso, que desmonta seus brinquedos, que ousa olhar o mundo de cabeça para baixo, que brinca reinventando o tempo e o espaço do cotidiano, é aprender com as crianças a não se deixar infantilizar.
A Infância é o Outro. O outro que está acima de qualquer tentativa de captura, que enfrenta a segurança de todos os saberes, questiona o poder de nossas práticas e abre um vazio no edifício bem construído de nossas instituições. As crianças falam em seu mundo encantado não só do seu mundo, mas também do mundo adulto e da sociedade onde está inserida e assim representa “uma ameaça” a mesmice, aos padrões estabelecidos, vazios de significados.
Voltando à questão do tempo e da liberdade de que fala Tagore, abramo-nos ao INSTANTE como fazem as crianças com maestria. Deixemos por alguns momentos nossa intuição fluir, pois ela é o canal que nos acessa à profundidade de nossas vidas, nossa fonte regeneradora e transformadora, onde se encontra, certamente, a nossa alma. Essa alma que segundo o professor Agostinho da Silva nos remete à capacidade que o homem tem de lembrar a perfeita unidade do mundo antes de as coisas existirem e é o desejo de atingir a meta onde a perfeita unidade será novamente possível.
Na plenitude do Presente, diz ele, vive a criança, e porque o vive, suspende o Tempo.
Texto reflexivo produzido através das leituras da Equipe da Casa Redonda Centro e Estudos. Imagens de Rinaldo Martinucci e da Equipe da escola.