Sabem aquele conto, a eterna história que é popular em quase todas as partes do mundo? O conto sobre a bela princesa cativa de um gigante cruel e um jovem príncipe que começa a querer libertá-la de sua masmorra? Quando ouvíamos esta história, lembram-se de como nosso entusiasmo era agitado, de como nos sentíamos como sendo o príncipe que iria salvar a princesa, derrubando todos os obstáculos e perigos, e por fim nos sentíamos bem sucedidos por trazê-la de novo à liberdade?
Hoje, a alma humana está cativa na masmorra de uma máquina gigante, e eu peço-lhes, jovens príncipes, diz Tagore, que sintam este entusiasmo nos vossos corações e queiram salvar a alma humana das cadeias da avidez e do egoísmo. A agressividade desmensurada contra a natureza põe em risco a continuidade da espécie. As distorções da maneira como o homem tem se acreditado induziram o poder à prepotência, à ganância, à inveja, à arrogância e à indiferença.
Há pessoas que dizem que não é da natureza humana ser generoso, que os homens sempre lutarão uns com os outros, que o forte sempre conquistará o fraco, e que não pode haver um fundamento ético para a civilização do homem. Não podemos negar os fatos que conduzem a essas afirmações, mas recuso-me a aceitar isto como uma revelação da verdade.
Tal como o primeiro pássaro proclama cantando o nascimento do sol quando o amanhecer ainda está escuro, é hora de prepararmos o nosso canto, por um futuro que será mesquinho se amesquinharmos nossas vidas. Nascidos dentro deste grande mundo, cheio de mistérios do infinito, não podemos aceitar a nossa existência como uma irrupção de um acaso momentâneo, levando o curso das coisas a um eterno lugar nenhum. Não podemos olhar para nossas vidas como sonhos de um sonhador que nunca desperta. Temos uma personalidade para a qual a matéria e a forma não têm significado, a menos que relacionados com algo cuja natureza descobrimos de alguma forma no amor humano, na grandeza do bem, na força das almas heroicas, na inefável beleza da natureza.
Haverá sim um grande futuro, quando as raças humanas se aproximarem umas das outras e quando do seu encontro novas verdades forem reveladas.
A linha da vida não é uma linha reta. Ela tem o gosto de brincar de balanço.
A nossa mente adulta está sempre cheia de coisas que temos que fazer, arranjar, sequenciadas num tempo regido por um relógio externo e por isso, as coisas acontecem à nossa volta e ficam na superfície. O fluxo de lições perpetuamente fluindo do coração da natureza e dos nossos contatos não nos toca porque estamos meio anestesiados para o sensível, apenas escolhemos aquelas informações que são úteis, rejeitando o resto como dispensáveis porque sempre estamos a optar pelo caminho mais curto para o sucesso. Mas, como diz o físico Brian Swimme, cada instante de nossa vida envolve em si um significado indescritível; tudo repousa na nossa autocriatividade, pois é de dentro de nós que surge a realidade suprema. A vida na verdade consiste em darmos início à grande aventura que é a de criarmos a nós próprios. Você, diz ele, não pode se esconder numa caverna; você não pode desperdiçar o seu tempo com um trabalho inexpressivo, preenchendo a vida com ninharias; o drama da história do Cosmos não permitirá.
A criação de novas formas de vida não é determinada, mas é antes, o resultado da liberdade intrínseca da vida. O jogo aventuroso das formas de vida irrompe na fantástica e sublime diversidade dos intensos 500 milhões de anos. O pensamento contemporâneo localiza a diferença entre os humanos e os outros primatas na capacidade do ser humano fazer da atividade lúdica sua atividade dominante. Único no gênero entre as espécies, o ser humano faz da exploração, das descobertas surpreendentes, das experiências e, sobretudo do aprendizado as atividades centrais de sua vida. Cada espécie tem seu próprio habitat, aquele lugar onde a espécie floresce. Se uma espécie não consegue encontrar o seu habitat próprio, seus genuínos poderes de vida não poderão ser estimulados. A espécie que se afasta de seu habitat perece. Um ser humano que se afaste desse habitat da aventura, do sonho, e do jogo está se afastando da oportunidade de tornar-se verdadeiramente humano. Atualmente, nossa angústia se baseia no fato de deixarmos de reconhecer o nosso verdadeiro talento. Achamos que fomos obrigados a nos tornar, o tempo todo, consumidores de uma grande sociedade consumista espalhada pelo mundo todo. Tentamos viver como apêndices de nossas máquinas descobrindo apenas a implacável falta de sentido no meio da fuligem e do barulho. O que mais podemos esperar quando vivemos fora de nosso habitat?
Uma baleia poderá viver por acaso mergulhada no ácido clorídrico? Não podemos procurar nenhuma outra espécie e perguntar-lhe. Precisamos continuar a explorar, aprender, tudo quanto estiver ao nosso alcance. Investigando, experimentando e acima de tudo sabendo rir como as crianças. O humor e a alegria já nos revelam a presença da aventura rumo a um desconhecido com o qual nossa consciência vai interagindo passo a passo. Afirmar que o jogo é essencial para espécie humana significa corroborar o que os cientistas criativos, os artistas e os grandes santos entenderam como fundamental às suas próprias atividades. O jogo, a fantasia, a imaginação, o sonho, são essas as direções fundamentais do percurso humano. Visto que cada situação da vida representa um desafio para o homem e apresenta um problema para ele solucionar, a questão do significado da vida poderá realmente ser invertida. O Homem não deveria perguntar qual é o significado de sua vida, mas antes, deveria reconhecer que esta pergunta está sendo dirigida a ele. Isto é, cada homem é interrogado pela vida; ele só pode responder à vida sendo responsável. A responsabilidade é a própria essência da existência humana. Responsabilidade etimologicamente quer dizer habilidade em dar respostas. Sendo assim, nos situando neste tempo histórico como pais e educadores, caberia uma reflexão sobre nossas respostas às questões que nos são trazidas como desafios novos à educação dos seres humanos.
Lembrando sempre que as crianças entram no sistema da Terra como se a atividade lúdica fosse o motivo para o qual foram criados. Elas exploram, saltam de um lado para o outro, ultrapassam os limites normais das coisas, sobem e descem desafiando o seu corpo e a sua força, voltam-se curiosamente para alguma coisa nova e estranha, buscam aventurar-se continuamente no desconhecido e assim estão revelando para nós adultos o âmago do mistério da vida: a necessidade e a oportunidade da atividade lúdica, o impulso nato para buscar soluções de sobrevivência de uma forma criativa.
Textos do poeta indiano Rabindranath Tagore e do físico Brian Swimme adaptados pela equipe da Casa Redonda.
SWIMME, Brian. O universo é um Dragão Verde: uma história cósmica da criação. São Paulo: Cultrix, 1995.
TAGORE, Rabindranâth. Sâdhanâ. Paris: Albin Michel, 1971.