“Quanto mais velho fico, mais me impressiona a fragilidade de nossos conhecimentos e tanto mais procuro refúgio na simplicidade da experiência imediata para não perder o contato com as coisas essenciais. É bem possível que estejamos olhando o mundo do lado errado e que poderíamos encontrar a resposta certa mudando nosso ponto de vista e olhando o mundo pelo lado correto, isto é, não de fora, mas de dentro.” Carl Jung
Chegamos ao final deste ano marcados por eventos que vêm nos conduzindo a reflexões sobre nosso TEMPO.
Como pais e professores, voltados sobre o universo da Infância, consequentemente do ser humano em sua iniciação à vida, pairam sobre nós muito mais indagações do que respostas face ao impacto acelerado dos fatos que vêm alterando de maneira significativa o nosso cotidiano.
Se por um lado nos sentimos como que paralisados, quase impotentes diante dos fenômenos que nos confrontam, exigindo de nós a postura de um equilibrista, por outro lado os desafios presentes nos projetam para a descoberta de possibilidades humanas ainda não experimentadas.
Forjados sob a intensidade de nossas tensões quem sabe surgirão novas combinações, novas configurações que anunciam uma nova organização do viver humano; Oxalá um salto qualitativo de nossa espécie poderá estar a caminho...
A compreensão da existência da natureza como um ser vivo e merecedor de respeito trouxe à consciência humana a noção de “interdependência” e de que nossa sobrevivência depende deste reconhecimento.
O fracasso do pragmatismo como método de vida e da bem-aventurança material como objetivo torna-se evidente na crise de nossa civilização. Basta observarmos a quantidade de conflitos que permeiam as relações humanas, a miséria de bilhões de seres humanos, a destruição de países, o consumo de drogas, poderio maciço de armas de destruição, a corrupção, e outras tantas ações que violentam os direitos e deveres garantidores de uma humanidade saudável porque mais justa, solidária e fraterna.
Nossa responsabilidade e aventura estão presentes no anseio que subjaz as nossas indagações.
Nossa tentativa hoje é a de tornar a vida mais harmoniosa, unindo conhecimentos, compartilhando a riqueza das diversidades culturais, respeitando nossas diferenças e semelhanças, terminando com o separatismo egoísta que prima por estabelecer a dissociação entre progresso e qualidade de vida, ciência e humanismo, ser coletivo e individual.
O que desejamos é que as conquistas científicas, técnicas e sociais, estejam vinculadas à poética da vida.
Ao olharmos nossas crianças brincando reconheçamos em nós o Sim à vida, a esperança e a alegria. Assumamos nossas vidas como uma autêntica “Aventura da Consciência” e saibamos que estarmos vivos neste tempo é a oportunidade de nos AVENTURARMOS no mistério da Vida.
E agora fiquemos com o Poeta, nos preparando para a Louvação da Criança:
"Esta é a história do meu Menino Jesus,
Por que razão que se perceba
Não há de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?
A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as cousas,
Aponta-me todas as cousas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.
Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre,
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.
A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.
A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.
Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos a dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.
Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.
Depois eu conto-lhe histórias das cousas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos-mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do sol
A variar os montes e os vales,
E a fazer doer aos olhos os muros caiados.
Depois ele adormece e eu deito-o
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.
Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos,
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.
Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu no colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é".
Trechos do “Guardador de Rebanho” de Fernando Pessoa